quarta-feira, 9 de junho de 2010

Procura da fama pode ser dramática para os mais novos



Incentivados pelos pais e seduzidos pela comunicação social, há cada vez mais crianças a procurar a fama nos mundos do espectáculo, da moda e do desporto. Contudo, o gorar das expectativas e da ilusão de poder vir a ser um Cristiano Ronaldo podem levar à frustração ou a outros distúrbios emocionais....
.... Frequentemente, o final da corrida ao estrelato fica muito aquém da meta, culminando em ansiedade e frustração de miúdos e graúdos. Cabe aos progenitores investir paralelamente na educação dos filhos, e às academias desportivas e agências de modelos aproveitar a aptidão de cada criança evitando cobranças excessivas.
Imitar é natural
O psicólogo Américo Baptista explica que todas as pessoas socialmente conhecidas sempre foram atraentes para as crianças e encaradas como modelos de sucesso. “A imitação é um processo fundamental da aprendizagem e a criança também tem tendência para imitar aqueles que têm sucesso”. Actualmente, além desta propensão natural da criança para querer ser igual a uma estrela bem sucedida, existe ainda grande influência dos meios de comunicação social, e da própria família, que incentiva a criança a ser futebolista, pois sabe que, quando bem sucedidos, estes profissionais “têm o futuro garantido”.
Para o psicólogo, “levar uma criança a jogar futebol é saudável”. O problema é quando a meta é ser como Cristiano Ronaldo. Nesse caso, “o problema não está na imitação, mas no standard que se quer atingir com essa imitação”, que é tão elevado que pode criar “mal-estar emocional” na criança.
Clara Gomes, proprietária da escola da Academia do Sporting da Marinha Grande, conhece alguns casos em que existe pressão familiar para que a criança seja, não apenas boa e feliz no desporto que gosta, mas o craque, o principal jogador da equipa.“Os pais não podem querer ver nos filhos aquilo que eles não puderam ser. O objectivo da escola não é criar craques”, frisa Clara Gomes que, para evitar esse tipo de comportamento dos pais, publicou no blogue da escola uma mensagem pedagógica dirigida aos progenitores: “não crie expectativas erradas no seu filho, acompanhe gradualmente a sua evolução […] e, acima de tudo, lembre-se que o desporto, seja ele qual for, é um meio de enaltecer as virtudes das crianças e jovens”.A proprietária da escola lembra que aquele estabelecimento não aceita inscrições de crianças sem que estas façam primeiro alguns treinos de experiência, pois “quem tem de gostar de estar na escola são as crianças, não são os pais”.Para Clara Gomes, jogar não é só marcar golos, é saber trabalhar em equipa. Mas a responsável pela escola reconhece que alguns pais causam tal “ansiedade” nas crianças que, na impossibilidade de cumprirem as expectativas dos progenitores, os mais novos “sentem-se frustrados”.No ensino académico, sublinha, “também há crianças mais e menos inteligentes, mais e menos esforçadas. Os pais têm de entender que o importante é que a criança se sinta feliz”. Se alguém se destaca “é porque tem essa capacidade, pois nós puxamos por todos os alunos da mesma maneira”. Nalguns casos, mais difícil que lidar com a criança é lidar com os pais”, confidencia Clara Gomes.
Investigadora na Universidade do Minho, Beatriz Pereira explica o fascínio que os famosos exercem sobre as crianças através da comunicação social. “A maior parte das imagens veiculadas pela televisão não fazem referência ao trabalho subjacente e a criança não percebe que, para chegar àquele ponto, foi preciso passar por um processo.”A tendência natural da criança será, por isso, exigir também esses resultados “no imediato”. Assim sendo, antes de levar a criança a uma agência de modelos, escola de representação, música ou desporto, “os pais devem auscultar a criança” e fazê-la perceber que antes de qualquer ganho terá um longo processo de trabalho pela frente.
Ascensão e queda... podem deixar nódoas negras

Para o professor Rui Matos, “muitos pais cometem erros gravíssimos com os filhos, ofuscados por essa ‘galinha de ovos de ouro’ que julgam ter em casa”. Criam expectativas “infundadas” nos mais novos e o problema surge precisamente quando “esses ovos enferrujam e causam uma infecção generalizada na galinha”, ou seja, quando a fama tarda ou nunca chega, causando mal-estar na criança. Rui Matos defende que o importante é incentivar a actividade física que faz bem à saúde, sem dizer à criança que irá ter sucesso garantido. Pois quando entre 100 crianças, só três são seleccionadas para integrar um clube, por exemplo, corre-se o risco de muitas das que ficaram de fora já nem sequer quererem voltar a praticar desporto, considera.
O professor admite ter conhecido vários casos de desistência da prática desportiva , com crianças que não souberam lidar com o insucesso. “Abandonam o desporto, porque há tanta expectativa que, ao mínimo desaire, desistem.”Para o docente, “quando a actividade física é adequada, os resultados escolares são potenciados”. No entanto, acontecem vulgarmente casos extremos, “quando o jovem não pode engordar 100 gramas sob pena de mudar de categoria, quando existe cansaço físico, psicológico, e os pais estão nos campos de futebol a gritar com os filhos”.O especialista em Motricidade Humana compara até o regime de internato a que algumas crianças são submetidas, em clubes desportivos, totalmente desenraizados da família e dos amigos, “ao terceiro mundo”, fazendo lembrar “tempos antigos dos Países de Leste”. Rui Matos aconselha crianças e jovens a estudar e não abandonarem os estudos só porque sonham ser jogadores de futebol. “Dá jeito saber articular duas frases e há que pensar nos 90% que não conseguem ser jogadores de futebol.”Sandra Ferreira, socióloga de Caldas da Rainha, também não acredita em exageros. Defende que há qualidades que desde cedo se manifestam em cada um e que, quanto mais forem estimuladas melhor. Contudo, as crianças não devem ser “exploradas”, de tal forma que não tenham tempo para brincar e estudar.
A produtora Sandrina Francisco explica que, na moda, em Portugal, raramente se observa uma ascensão rápida de algum manequim e que esse passo rápido é mais vulgar na representação. É precisamente nesse mundo que conhece miúdos “atirados para a fama”, que depois lidam muito mal com o desaparecimento do público.“Aos 14, 15, 16 anos, os jovens ainda não têm maturidade para perceber que têm de esperar até terem uma nova oportunidade ou que essa nova oportunidade pode não chegar.” Por isso, nota a produtora, nos cursos “trabalhamos muito a parte psicológica dos alunos”, alertando para a necessidade se serem “humildes, manterem os amigos”, e “preparamo-los para um mundo que é competitivo e instável”.“A moda deve ser um complemento, uma segunda actividade e os jovens devem estudar e agarrar-se à vida real, agradecendo os trabalhos que possam aparecer”, acrescenta.O psicólogo Américo Baptista admite que a adaptação à rotina, depois de se ter atingido “picos de sucesso” não é fácil para todos e que a dificuldade em aceitar pode traduzir-se “na depressão e na procura de substâncias” psicotrópicas.Apesar de tudo, nota, a maioria consegue voltar à vida normal....
A depressão acontece a quem já tem essa vulnerabilidade”, sublinha.
Dispostos a tudo para aparecer na televisão
Professor doutorado em Motricidade Humana, Rui Matos defende que se vive hoje numa sociedade de “aparências”, onde “as pessoas fazem de tudo” para aparecer na televisão. “Não se interessam se quem aparece tem sucesso, mérito ou trabalha. Acham que aparecer na televisão é meio caminho andado para ter sucesso”, acredita o docente.Por outro lado, como a vida está cada vez mais difícil, os pais tentam todas as estratégias que possam ajudar a equilibrar as finanças da casa. Se sentirem que em casa existe um potencial jogador de futebol rico, “estão dispostos a tudo”, considera. A produtora de moda Sandrina Francisco também perspectiva a televisão como grande promotora do desejo de ser famoso. Quando se estreou no mundo da moda, em 1994, Sandrina Francisco estava longe de saber que a carreira de manequim viria a revestir-se de tanto interesse como acontece nos dias de hoje. Actualmente produtora de moda e directora da escola Fashion Studio, em Leiria, explica que a carreira de modelo seduz hoje desde as crianças mais pequenas, nalguns casos ainda bebés, até adultos na casa dos 40 anos.À escola de modelos, que coordena em Lisboa, chegam desde crianças muito pequenas, que os pais tentam “impingir” à agência, aos jovens que “têm realmente fascínio pela roupa, pela fama e que gostariam de ser admirados, ser uma referência entre os colegas de escola”, refere.“Noto que, por causa dos canais de televisão por cabo e das revistas, a moda está hoje mais divulgada. Antes não tinha o glamour de hoje”, acredita a jovem produtora. Actualmente, as pessoas consideram que “ser modelo é ter regalias, dinheiro, acham que é ter a vida facilitada. Mas não é. Trata-se de um trabalho muito cansativo, para o qual é preciso ter formação”, sublinha.

Textos: Daniela Franco Sousa Fotos: DR - JORNAL DE LEIRIA - Edição

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